Sinais de alerta: curas milagrosas e naturais

No terceiro post dedicado aos sinais de alerta de pseudo-ciência vou falar daquele que é, talvez, um dos mais comuns no mundo cibernético, desde os emails em cadeia até aos mais recentes memes das redes sociais:

3. As curas milagrosas e naturais

A propagação de curas milagrosas é tão antiga quanto a humanidade. Mas hoje, essa propagação tem outras ferramentas ao seu dispor.

Banha da cobra
Anúncio ao tónico “milagroso” para as “doenças do ventre”, vendido com êxito pela tribo americana dos Kickapoo no início do século XX. (Crédito: The U.S. Food and Drug Administration via Visual Hunt)

Se, no passado, os vendedores de banda da cobra tinham que fazer verdadeiras digressões de povoação em povoação, hoje a Internet leva os “milagres” a todo o mundo de forma rápida e muito económica.

Websites de promoção de charlatanice e propaganda anti-medicina como o de Mike Adams (Natural News), o do “Dr” Mercola ou o de David Avocado Wolfe, são hoje uma fonte inesgotável de “soluções” fáceis para problemas de saúde complexos, como o cancro ou o autismo, sempre com uma loja incorporada, claro. Estão também pejados de teorias da conspiração e negacionismo científico. Têm milhões de seguidores no Facebook (quase 12 milhões, se somados) e recorrem a imagens com mensagens curtas e para propagação rápida nas redes (memes):

D. A. Wolfe
Três memes de David Avocado Wolfe publicados em Janeiro de 2017 na sua página de Facebook. Todos eles incluem informação falsa ou enganosa e têm como objectivo promover o medo (das vacinas, da suplementação de flúor e de tudo o que tenha a ver com a empresa Monsanto).

Em Portugal, também existem e os canais de televisão ajudam à promoção, claro está. E, como geralmente são comercializados como suplementos alimentares (e não medicamentos), as ditas curas naturais não têm que fazer qualquer prova das alegações que promovem. Como escreve aqui o Marco Filipe, os suplementos alimentares são o Cavalo de Tróia do produtos milagrosos. Por lei, não podem fazer alegações médicas, mas como podem ver no exemplo abaixo, a lei está longe de ser cumprida:

E os “tónicos milagrosos” que parecem saídos dos anúncios do século XIX ainda são promovidos, mas agora por “terapeutas naturais”, como neste segmento do programa da TVI Você na TV, onde são dados conselhos verdadeiramente perigosos sobre o uso da urtiga como “solução milagrosa” para todo o tipo de doenças, conselhos esses que vão acompanhados de publicidade não assinalada:

Para além das alegações não substanciadas sobre os efeitos da urtiga na saúde humana (só existe uma meta-análise sobre os efeitos anti-inflamatórios da urtiga na Cochrane Library e é inconclusiva), incluindo em mulheres grávidas e crianças, a “terapeuta” mistura a fitoterapia com a homeopatia, como se fossem a mesma coisa (não são: na homeopatia, não existe composto activo presente após a preparação do “remédio” devido à sua diluição extrema, pelo que se trata apenas de pastilhas de açúcar ou gotas de água/álcool). Recomendar homeopatia para tratar queimaduras de segundo grau em crianças é condenar a criança a um sofrimento desnecessário! Este vídeo merece uma análise muito mais detalhada porque muita coisa é dita que precisaria de ser esmiuçada. Mas chamo à atenção para o facto de, a certa altura, a educadora ambiental mencionar a “medicina alopática” – um outro sinal de alerta (é uma expressão usada tipicamente por quem defende a homeopatia e tem uma atitude anti-medicina).

Para uma análise mais completa de três outras curas milagrosas naturais que por aí circulam, leiam este outro texto que escrevi para a COMCEPT sobre um sumo de fruta ou este do Marco Filipe sobre a graviola ou ainda este do João Monteiro sobre um peixe que cura a asma (se engolido vivo).

Mas, existem curas milagrosas que os médicos se recusam a usar? Existem alimentos que, por si só, curam “o cancro” ou outras doenças complexas? Bom, já devem estar a adivinhar a resposta: infelizmente, NÃO. Qualquer avanço médico demonstrado pela ciência é posto em prática, mesmo quando é dispendioso. Nem sempre está disponível em todos os países, mas não são com certeza os profissionais de saúde que o impedem, e sim outras contingências que nada têm a ver com a ciência.

O que há que realçar neste tipo de alegações é que, em todos estes casos, se afirma que o suplemento/alimento/preparado pode ser usado para curar toda uma série de doenças, com causas completamente diferentes, o que contraria todo o nosso conhecimento acerca da fisio-patologia humana. E em nenhum momento falam nas possíveis interacções medicamentosas (os alimentos e preparados “naturais” também interagem e interferem com a acção dos medicamentos). Uma doença de origem vírica, como a gripe, não tem a mesa origem que uma depressão ou uma doença cardíaca. No entanto, no anúncio acima, alega-se que aquela bebida previne e cura toda essa gama de enfermidades.

Note-se também que não se justificam estes “milagres” com estudos científicos válidos, mas com argumentos como “é natural”*, “é conhecimento milenar” e um pózinho de orientalismo. Um sinal de alerta raramente vem só. Temos mais um caso de uma falácia lógica como sinal de alerta: o apelo ao natural (ou a falácia do naturalista).

*Sabem o que é que também é 100% natural? A batracotoxina (produzida por pequenas rãs), o veneno de rícino (uma planta) ou a tetrodoxina (produzida pelo peixe-balão, do qual nos alimentamos…com muito cuidado).